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A volta de Dom Sebastião

02.06.2022

No quartil final do século XVI, Portugal deparou-se com uma série de problemas desencadeados após a suposta morte do rei Sebastião I na Batalha de Alcácer-Quibir.

Como o corpo do monarca nunca foi achado, teve grande amparo popular a profecia de que Dom Sebastião retornaria ao reino português em socorro a seus súditos, resgatando a prosperidade de outrora. “A volta de Dom Sebastião”, o mote que regeu o fenômeno saudosista, gerou repercussões políticas, sociais e culturais nas décadas seguintes.

Eis que, neste início de século, um movimento sebastianista ressurge no ambiente de negócios brasileiro (de forma involuntária e infinitamente menos dramática, é verdade).

No final de 2021, foi sancionada a Lei nº 14.195, que trouxe importantes alterações na Lei das S.A.. Dentre elas, estabeleceu a obrigatoriedade de certas transações com partes relacionadas serem aprovadas em assembleia geral de acionistas quando envolverem companhias abertas.

As operações com partes relacionadas, em que prepondera apenas o interesse do acionista controlador das sociedades envolvidas, são mais propensas às situações que configuram conflito de interesses e daí advém o nobre objetivo da mudança ao conferir um quórum qualificado à aprovação da matéria.

No entanto, a medida conflita com a solução até então em vigor sugerida pela Comissão de Valores Mobiliários (CVM) e traz de volta um velho problema.

Historicamente, a jurisprudência da CVM tem oscilado sobre a possibilidade de o acionista controlador votar em matérias em que possuir interesse conflitante. Ora prepondera a interpretação do conflito formal (em que, de antemão, o controlador não pode votar) e ora o entendimento muda para o do conflito material (em que o conflito de interesses deve ser provado após o controlador proferir seu voto).

Observando esses precedentes pendulares e com o intuito de dar maior segurança jurídica às operações, em 2008 a CVM publicou o Parecer de Orientação nº 35 com duas alternativas para a aprovação de operações de fusão, incorporação e incorporação de ações envolvendo a sociedade controladora e suas controladas ou sociedades sob controle comum: (i) submeter a matéria à aprovação da maioria dos acionistas não-controladores; ou (ii) que um comitê especial independente seja constituído para negociar a operação e submeter suas recomendações ao conselho de administração.

Desde então, a maioria das operações com partes relacionadas envolvendo companhias abertas foi realizada com a adoção de um comitê independente e, consequentemente, diminuíram os casos em que a matéria foi aprovada em assembleia e a CVM interveio.

No entanto, a Lei nº 14.195 extinguiu a possibilidade de aprovação pelo comitê independente quando as operações envolverem 50% do valor dos ativos totais da companhia constantes do último balanço aprovado.

Com isso, retorna-se ao cenário de discussão sobre a possibilidade de voto do acionista controlador e a CVM, por decisão de terceiros, reassume o papel de “agente mediador” da disputa entre controlador e acionistas minoritários em operações com partes relacionadas.

Resta agora saber se este retorno da CVM ao trono de guardiã societária fará jus às expectativas dos saudosistas (que por definição engrandecem as alegrias do passado, minimizando seus pesares) ou se velhos problemas voltarão a atrapalhar o resistente ambiente de negócios brasileiro.

Por Mateus Lopes da Silva Leite

Sócio de Candido Martins Advogados.

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