A legislação fiscal brasileira é uma das mais complexas do mundo. Em que pese todos os princípios norteadores do direito tributário estarem na Constituição Federal, o Brasil é um país continental, formado por 26 Estados, mais de 5,5 mil municípios, além do Distrito Federal, onde cada um têm autonomia e independência legislativa para instituição dos tributos de sua competência e dos processos a serem observados para a cobrança.
Conseguem imaginar como acompanhar nesse contexto tantas regras processuais fiscais?
Por isso, esse ano o Senado Federal e o Supremo Tribunal Federal (STF), representados pelos seus presidentes, por meio da Portaria Conjunta nº 1/2022, instauraram uma comissão de juristas que visa a modernização do processo tributário e administrativo, com a análise do Código Tributário Nacional (CTN – Lei nº 5.172/66), da Lei Federal nº 9.784/99 e da Lei das Execuções Fiscais (Lei nº 6.830/80), objetivando a edição de uma lei complementar que disponha sobre normas gerais de direito tributário processual que sejam observadas por todos os entes da federação.
Se busca mais agilidade e eficiência, mediante a observação dos princípios do devido processo legal, da ampla defesa e do contraditório e, especialmente, a obrigação de observação das regras constitucionais. Se espera das novas normas que possibilitem desincentivar a judicialização de disputas fiscais, com a aplicação dos precedentes das Cortes Superiores e a promoção de acordos para soluções rápidas de litígios.
Daí a importância da boa formação do precedente, que requer o bom julgamento das causas, especialmente pelo STF e pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ).
Os Tribunais Superiores possuem grande importância no sistema processual tributário brasileiro. Como guardião da Constituição Federal, praticamente todas as questões fiscais são resolvidas definitivamente sob decisão do STF, exercendo o STJ o papel de uniformização do entendimento sobre a legislação federa – cite-se aqui a exemplo das leis processuais.
Diante disso, destacamos a necessidade da segurança jurídica. Os Tribunais Superiores, atendendo as regras processuais vigentes do Código de Processo Civil (CPC), na formação dos precedentes, devem manter a coerência e assegurar aos contribuintes a clareza de sua interpretação, reduzindo a necessidade de novos litígios.
Mas essa tarefa não é fácil. Acompanhemos, por exemplo, as últimas discussões fiscais decididas pelo STF, com modulação de efeitos nas causas fiscais. Lembramos aqui o julgamento do ITCMD sobre bens no exterior, do ICMS/ISS sobre os softwares, da exclusão do ICMS das bases de PIS/COFINS e do IRPJ/CSLL sobre a Taxa Selic. Em cada um, o racional para se decidir pela modulação foi diferente. E, em cada um, a aplicação da própria modulação seguiu um caminho diverso.
E qual foi sempre a mesma mensagem dada pelo STF nessas ocasiões? Litiguem! Porque apenas os contribuintes que se anteciparam e promoveram discussão judicial foram privilegiados naquelas ocasiões. Aqueles que observaram a legislação, confiaram no sistema e se mostraram “bons pagadores” foram os mais prejudicados, pois não puderam se beneficiar das decisões da Corte Suprema com a recuperação dos valores recolhidos indevidamente reconhecidos. Isso causa não apenas instabilidade processual, como prejudica a coletividade e a própria competitividade.
Sabe-se que o “direito não socorre a quem dorme”. Porém, a ideia de uma reforma processual fiscal, que pretenda diminuir a litigiosidade no país, precisa conferir aos contribuintes segurança no sistema, para que se tenha prévio conhecimento não apenas do procedimento processual, mas especialmente da interpretação das normas na formação dos precedentes.
Apesar de haver uma grande expectativa de que a reforma processual fiscal se concretize e ajude a orientar melhor a sociedade junto com as demais reformas tão esperadas no país, por ora, é importante o contribuinte estar atento a essas questões, porque permanece a necessidade de ter que discutir os temas tributários previamente no judiciário.