Faz anos que não há uma definição no Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf) sobre a amortização de ágio, especialmente no que diz respeito à controvérsia envolvendo empresas veículo ou ágio interno. Este tema já passou por várias fases no âmbito administrativo, sendo que, em cada uma delas, o enfoque se modificava e os resultados foram definidos conforme diferentes critérios de julgamento (com ou sem aplicação do voto de qualidade).
Desde a extinção do voto de qualidade em 2020, promovida pela Lei nº 13.988/20, as decisões envolvendo a amortização de ágio com utilização de empresa veículo, têm sido favoráveis ao contribuinte. As decisões anteriores eram desfavoráveis. Já as operações envolvendo ágio interno continuam sendo invalidadas pelo Carf, mesmo à luz da legislação que permitia o voto de minerva a favor do contribuinte. Não há consolidação na jurisprudência administrativa.
Felizmente, mês passado (em setembro), o contribuinte pôde ter um suspiro de esperança com o julgamento do Superior Tribunal de Justiça (STJ), sobre a glosa de amortização de ágio apurado na vigência da Lei nº 9.532/97. O tema foi apreciado pelo judiciário com cautela, originando uma decisão favorável aos contribuintes, mesmo com todo o histórico majoritariamente desfavorável no âmbito administrativo.
O pano de fundo envolve, resumidamente, dois temas sobre o ágio: operações com a utilização de empresa veículo e a possibilidade de utilização do ágio interno (operações realizadas entre empresas do mesmo grupo/partes relacionadas). Em linhas gerais, a 1ª Turma do STJ afirmou que o ágio interno decorrente de reorganização societária realizada antes da Lei n° 12.973/2014 pode ser amortizado na base de cálculo do IRPJ e da CSLL.
A Turma, por unanimidade, entendeu que a Lei n° 9.532/1997 não dispôs de maneira expressa sobre a impossibilidade de aproveitamento do ágio em operações entre partes relacionadas ou via empresa veículo. Pelo contrário, a vedação sobre aproveitamento de ágio interno foi incluída somente com a Lei n° 12.973/2014.
Os ministros afirmaram ainda que o Fisco deve demonstrar a existência de simulação no caso concreto para desconsiderar o planejamento realizado. Usar este fundamento da simulação sem prova, como feito pelo Fisco e validado pelo Carf para embasar as decisões desfavoráveis aos contribuintes, será vedado.
E agora perguntamos: considerando a Lei nº 14.689/23, sancionada no final de setembro, que define o critério de desempate do Carf para o presidente da Turma julgadora – sempre representante da Fazenda Nacional – como será a repercussão deste tema na esfera administrativa?
Será que retomarão os julgamentos desfavoráveis aos contribuintes com a utilização do voto de qualidade, deixando o contencioso ainda mais inchado?
Acreditamos que sim. Contudo, a nova lei traz um aspecto positivo: para todos os casos (referentes a quaisquer discussões submetidas ao Carf) em que o contribuinte é vencido pelo voto de qualidade, haverá a possibilidade de tal contribuinte excluir os juros e realizar o pagamento somente do valor principal com a utilização de crédito decorrente de prejuízo fiscal de IRPJ e base negativa de CSLL (própria ou de empresa controlada ou controladora). Mas e a consequência desta prática? Será que não vai levar à desconfiança do contribuinte no âmbito administrativo?
O Carf, que é um órgão tão respeitado pela sua qualidade técnica, também ficará à mercê da política e da sede arrecadatória? Com certeza, não é o que gostaríamos ou acreditamos. Mas fica aqui nosso voto de confiança para que as decisões sejam realmente técnicas e que cada vez mais tenhamos uniformidade nos julgamentos das cortes superiores, sejam no âmbito administrativo ou judiciário.