A obtenção de investimento sempre foi um grande desafio para médias e pequenas empresas no Brasil. A abertura de capital está anos luz da realidade desses negócios, que acabam se valendo de captação por meio de investidores anjos (normalmente pessoas físicas com apetite para investir em ativos incertos), fundos de venture capital (que exigem uma maior governança e um estágio mais avançado do negócio) e, por último, mas não menos importantes, os 3 “F” (friends, family and fools).
Todos esses investimentos têm uma coisa em comum: exigem que a empresa alvo e os investidores se conheçam e negociem o investimento – o que torna o custo de transação alto e tem alcance limitado de investidores.
E se pequenas e médias empresas pudessem obter investimento do público em geral? “Passar o chapéu” a milhares de pessoas? Não seria muito mais prático e eficiente? Pois essa opção já existe: são os chamados Security Token Offer (STO), que, em vez de usar um “chapéu”, usam a tecnologia blockchain.
O STO éuma oferta pública via blockchain (criptomoedas, valores mobiliários tokenizados etc) com lastro em um ativo tangível registrado fora dele (off-chain) — como ações de empresas, fração de imóveis ou qualquer ativo patrimonial disponível, tecnicamente permitindo a investidores de todo o mundo a aquisição dos investimentos ofertados.
Mas pode isso, Arnaldo? Bem, no Brasil, no caso de os blockchain serem lastreados em valores mobiliários, a Comissão de Valores Mobiliários (CVM) se manifestou dizendo que a oferta deverá ser submetida previamente a registro na autarquia, exceto nos casos específicos de dispensa de registro ou de requisitos de oferta, conforme regulamentação própria.
Então, como BTG Pactual conseguiu fazer um STO – o ReitBZ (RBZ) – lastreado em ativos estressados do mercado mobiliário nacional? Simples, eles fizeram a oferta para investidores não residentes no Brasil e em outras jurisdições que têm regras mais flexíveis para tais emissões.
Como muitos países ainda não têm um regramento específico para STOs, como o Brasil, as regras aplicáveis acabam sendo aquelas elaboradas inicialmente para as emissões tradicionais de valores mobiliários – conforme entendimento da CVM – e, portanto, inviabilizam que investidores residentes em tais jurisdições acessem esse tipo de investimento.
Acreditamos que não demorará muito para a CVM se debruçar melhor sob essa nova forma de investimento. Afinal, não é lógico imaginar que ativos brasileiros têm que ser ofertados no exterior e não no próprio país.
Se o mercado de capital brasileiro está preparado para um produto tão inovador? Fizemos essa mesma pergunta há 10 anos, quando a CVM publicou a Instrução No. 476, que dispensava de registro certas ofertas públicas de valores mobiliários distribuídas com esforços restritos.
Nesses 10 anos, a Instrução 476 foi modificada algumas vezes e se aprimorou, e hoje é um sucesso!
A tecnologia é um caminho sem volta, e assim serão os STOs, cujo mercado total estimado já supera os R$ 500 milhões e está em franca expansão, tendendo a aumentar consideravelmente quando, enfim, houver um regramento específico. Assim, já é possível enxergar uma nova era de alocação de recursos, em que empresas de menor porte, projetos de pesquisa, patentes e novas tecnologias têm a oportunidade de, enfim, mostrar seu potencial diretamente ao investidor.
Por Raphael Pereira Arantes Pires, advogado de Candido Martins Advogados
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