Fisco e contribuintes continuam travando batalhas, sendo a mais recente a redução de capital de empresas no exterior.
Os contribuintes defendem que a redução de capital que ocorre com eventual variação cambial positiva ficaria sujeita à apuração do imposto de renda (IR) pelas regras de apuração do ganho de capital, sujeito às alíquotas progressivas de 15% a 22,5%.
Na visão do Fisco, a variação positiva do câmbio, na redução de capital, seria tratada como rendimento e tributada via carnê-leão, com alíquotas que chegam a 27,5%.
A confrontação entre um valor inicial de custo de aquisição (valor inicialmente aportado ao capital da empresa) e o valor recebido (valor da redução de capital) é uma característica exclusiva do regime de ganho de capital. A variação cambial (diferença positiva entre o valor inicialmente aportado e o valor recebido) segue o mesmo racional.
Rendimento é outro conceito, como salários, aluguéis e dividendos. Variação cambial está fora dessa mecânica. Veja que a própria Receita Federal do Brasil (RFB), em seu “Perguntas e Respostas do IRPF 2023”, nem menciona variação cambial nas reduções de capital (e nem poderia).
“CARNÊ-LEÃO — RECOLHIMENTO
261 — Quem está sujeito ao recolhimento mensal obrigatório (carnê-leão)?
Sujeita-se ao recolhimento mensal obrigatório a pessoa física residente no Brasil que receber:
(…)
2 – rendimentos ou quaisquer outros valores recebidos de fontes do exterior, tais como, trabalho assalariado ou não assalariado, uso, exploração ou ocupação de bens móveis ou imóveis, transferidos ou não para o Brasil, lucros e dividendos. Deve-se observar o disposto nos acordos, convenções e tratados internacionais firmados entre o Brasil e o país de origem dos rendimentos;(…)” – grifos nossos.
Recentemente, em outubro deste ano, foi publicada decisão do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf) desfavorável ao contribuinte, por maioria de votos (4×2), acatando o entendimento do fisco no sentido de que a variação cambial na redução de capital de empresas no exterior deve ser tributada pelo carnê-leão (acórdão 2202-010.359, de 03.10.2023).
Ocorre que a posição do Fisco, recentemente confirmada pelo Carf, está totalmente contrária à orientação do próprio Ministério da Fazenda (“chefe” da RFB). Explico.
O Governo Federal, com sua equipe do Ministério da Fazenda, se esforçaram para aprovar a alteração da tributação dos ganhos obtidos por bens detidos no exterior por residentes no Brasil para fins fiscais. O texto aprovado pelo Congresso foi recentemente sancionado pelo presidente (Lei 14.754, de 12 de dezembro de 2023).
De acordo com o projeto de lei, a variação cambial positiva de futuras devoluções de capital comporá o ganho de capital apurado pela pessoa física.
O mais interessante é a ratificação do entendimento de que variação cambial é ganho e não rendimento (15% a 22,5% ante 27,5%), quando o “perguntas e respostas”, editado pelo próprio Ministério da Fazenda para explicar o texto da nova regra, deixa totalmente claro que a devolução de capital sempre esteve sujeita à apuração do IR pelo regime do ganho de capital. Vejamos:
“14. A variação cambial do principal aplicado em entidades controladas no exterior também será tributada automaticamente no Brasil? O que acontece se eu tiver ganho em um ano e perda em outro?
(…)
Já a variação cambial sobre o principal aplicado será tributada somente no momento em que houver, efetivamente, uma devolução de capital para a pessoa física residente no Brasil (por exemplo, quando houver uma redução de capital). Nesse momento, a variação cambial entre a data da remessa dos recursos e a data do retorno dos recursos será tributada no Brasil. Ela será enquadrada como ganho de capital e submetida à incidência do imposto de renda pelas alíquotas de 15% a 22,5%, mantendo a mesma regra atual e trazendo mais segurança jurídica ao contribuinte.” – grifos nossos.
Ora, se o próprio Ministério da Fazenda entende que a tributação pelo ganho de capital é a regra atual e fez isso justamente para trazer “mais segurança jurídica ao contribuinte”, como pode o fisco proceder com autuações aos contribuintes que apenas seguiram esse entendimento?
E o pior, além da cobrança indevida do IR adicional, com multas e juros normalmente aplicados em autuações, a RFB aplica uma multa adicional de 50% sobre o valor do IR supostamente não pago, sob justificativa de que o carnê-leão não foi preenchido.
O regime do ganho de capital é o que melhor se enquadra nas reduções de capital de empresas estrangeiras. A manifestação do Ministério da Fazenda só reforça essa conclusão com a intenção de eliminar discussões jurídicas no Carf e no judiciário. Ponto para a evolução de nosso sistema tributário com mais segurança jurídica.
Apesar de não existir regra expressa na legislação atual, todas as vezes que a legislação tributária trata de eventual IR gerado na devolução de capital, ela elege o regime do ganho de capital para apuração do imposto. O Fisco tentou distorcer essa interpretação sem fundamento e, equivocadamente, o Carf validou esse entendimento. O Ministério da Fazenda faz essa correção, acertadamente.
Com a sanção presidencial da nova Lei, ao menos essa discussão não será mais aplicável às futuras reduções de capital feitas a partir de 1º de janeiro de 2024.
Devemos acompanhar de perto a posição do fisco em relação às reduções de capital que já foram feitas. Que as batalhas fiquem no passado.