Desde o início de 2023 foram publicadas algumas medidas provisórias (MPs) sobre diferentes temas, parte delas envolvendo alterações legislativas relativas a temas fiscais. O que surpreende é que, apesar de algumas delas trazerem mudanças positivas para o País, não são aprovadas.
Nossa visão é que isso acontece porque, infelizmente, todas estas mudanças requerem um jogo político muito forte para serem implementadas. Um bom exemplo disso é que, das MPs que estavam em votação e que estão relacionadas a temas fiscais, apenas uma foi aprovada pelo Senado: a MP nº 1.152/2022 (sobre regras de preço de transferência), que modifica as regras para fixação de preços usados em transações entre empresas relacionadas, a fim de adequar as normas nacionais às praticadas pela Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) e evitar práticas destinadas a diminuir o pagamento de tributos.
O motivo? Nos parece que esta aprovação só se deu porque o tema não está vinculado somente a questões relacionadas ao Brasil, mas também passa por uma pressão externa – uma vez que há divergências entre o sistema de preços de transferência até então adotado em nosso País em relação ao padrão OCDE, limitando o acesso do Brasil à organização.
Em contrapartida, a MP nº 1.160/2023, que restabelecia o voto de qualidade como critério único de desempate no Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf), caducou em 1º de junho de 2023. A manutenção da regra atual, favorecendo o contribuinte (em caso de empate na votação do julgamento, o resultado será pró-contribuinte), é mais uma evidência de que as aprovações das MPs dependem de um jogo político.
Notem que este tema ainda não é definitivo: segue no Congresso Nacional a tramitação do PL nº 2.834/2023, enviado para a Câmara dos Deputados em maio deste ano para retornar a regra de desempate pelo voto do presidente da turma (que sempre é representante do fisco). O projeto, que tramita em regime de urgência, deve ser apreciado até 21 de junho: prazo está se esgotando também por esta via legislativa.
Esta insegurança atinge diretamente os contribuintes que estão à deriva enquanto não há conclusão sobre o tema. E, neste meio tempo, apesar de terem a regra do voto de qualidade a seu favor, seus processos não são julgados em razão da greve dos auditores.
E agora? Vale levar esta discussão a juízo e pleitear a imediata inclusão dos processos administrativos na pauta do Carf na tentativa de que o caso seja julgado ainda sob a regra do voto de qualidade em favor do contribuinte? Infelizmente, considerando todas as idas e vindas, levar o tema ao judiciário nos faz crer que estamos diante de um ciclo vicioso e que todos os caminhos levam a um mesmo desfecho: total insegurança.
E em relação à MP nº 1.171/2023, que visa alterar as regras de tributação para investimentos no exterior? O que devemos esperar diante deste cenário político em que nada parece ter início, meio e fim? Embora seja uma redação coesa e com uma qualidade técnica excepcional, não nos parece estar sendo apreciada e/ou com chances de aprovação.
No total já foram apresentadas 106 emendas ao texto. Houve a convocação de uma reunião para a instalação de uma Comissão Mista no final de maio, que foi cancelada no mesmo dia. De novo: não sabemos sequer quem serão os deputados e senadores que irão apreciar a matéria, ou seja, como esperar por segurança jurídica neste País?
Como já citamos anteriormente em nossa newsletter, acreditamos que a reforma tributária e as mudanças legislativas – se bem estruturadas – merecem nosso voto de confiança. Alterações que façam sentido para o Brasil, e não somente aquelas que convêm a um ou outro lado, deveriam ser apreciadas e aprovadas. O jogo político para o bem do País deveria ser um só. Essa é a boa-fé que acreditamos.