Com a edição do Marco Legal das Garantias (Lei nº 14.711 de 30 outubro de 2023), a Lei dos Cartórios (Lei nº 8.935 de 18 de novembro de 1994) foi alterada, de modo a permitir a administração de conta bancária vinculada, comumente denominada de “conta Escrow”, perante a tabelionato de notas.
Frequentemente utilizadas nas operações de M&A, as contas Escrow, por definição, se prestam a instrumentalizar garantia ao adimplemento de determinada obrigação financeira condicionada a um evento futuro, por exemplo, a obrigação do pagamento do preço ou de indenizações por perdas. Essa espécie de conta bancária é administrada por terceira parte, neutra e imparcial, geralmente uma instituição financeira, que atua como sua gestora, responsável pela aplicação e liberação dos recursos nela depositados.
O Marco Legal das Garantias, com essa alteração na Lei dos Cartórios, busca reduzir os custos de contratação e administração de conta Escrow e garantir que a sua gestão seja realizada por profissional do direito imparcial, dotado de fé pública e cujo cumprimento de suas obrigações legais são fiscalizados pelo Poder Judiciário.
Caso a taxa notarial para administração de conta Escrow seja de fato menos onerosa do que valores que vêm sendo praticados no mercado, a alteração normativa pode ser frutífera aos envolvidos em operações de M&A.
Interessadas na contratação desse tipo de garantia, as partes, repetidas vezes, se veem impedidas de fazê-la devido ao alto custo de contratação e administração da conta Escrow. As instituições financeiras contratadas, muitas vezes, atrelam a sua cobrança a um percentual do valor depositado em conta, o que costuma representar um montante significativo.
Menos comum, mas ainda presente, verificam-se operações em que as partes conflitam na escolha do agente administrador e da instituição depositária da conta, em função de potenciais conflitos de interesses.
Por conta desses fatores, as partes acabam optando por garantias menos líquidas, como a alienação fiduciária de ações ou imóveis, ou a retenção, pelo comprador, do preço de aquisição, prejudicial ao vendedor que se vê atrelado ao risco de crédito do adquirente.
Por outro lado, como as alterações trazidas pelo Marco Legal das Garantias são recentes, o procedimento de abertura de conta Escrow perante os tabelionatos de notas ainda não foi definido. Isso porque o Conselho Nacional de Justiça ainda não regulamentou a matéria, uniformizando os procedimentos entre os cartórios.
Vale lembrar, ainda, da regra geral de publicidade dos atos notariais. Ou seja, contar com tabelião de notas para administração de conta Escrow, no contexto de um M&A, pode representar a perda de confidencialidade de determinadas informações que, no entendimento das partes, deveriam ser sigilosas.
Ainda não é possível afirmar se a abertura de conta Escrow em tabelionatos de notas conseguirá acompanhar a dinamicidade das operações de M&A e a ampla gama de possibilidades e complexidades na sua utilização. Entretanto, os envolvidos nessas operações que buscam garantia líquida e (conforme se propõe a alteração normativa) com custo de manutenção menos elevado devem ficar atentos a essa nova possibilidade, consultando profissionais da área sobre os procedimentos que serão adotados pelos cartórios de notas a partir da inovação trazida pelo Marco Legal das Garantias.