Muitos concordam que 2020 poderia ser um ano para ser esquecido – e olha que ainda estamos somente em maio e temos muito chão pela frente para conseguimos comemorar com esperança a chegada de 2021.
Mas seria só pelas dificuldades trazidas pela pandemia? Infelizmente, a pandemia é mais uma insegurança que passamos a conviver. As sociedades uniprofissionais (formadas por profissionais liberais: médicos, dentistas, veterinários, contadores, advogados, engenheiros, arquitetos, economistas e psicólogos) permanecem inseguras com o simples recolhimento de um tributo que, em regra, não deveria trazer nenhuma dúvida quanto à aplicação da legislação.
O Imposto sobre Serviços (ISS) pode ser exigido pelos Municípios e Distrito Federal quando da prestação de serviços e, em tese, deve incidir sobre o preço dos serviços prestados. Esse é o mandamento da Constituição Federal que reservou à legislação complementar a competência para dispor sobre regras gerais para a criação do tributo.
A exceção a essa regra surgiu por força do famoso artigo 9º, § 3º, do Decreto-lei 406/68 – sim, essa legislação ainda está vigente – recepcionada pela Constituição Federal de 1988 como lei complementar -, que reserva às sociedades uniprofissionais o direito de recolherem o ISS com base numa alíquota fixa multiplicada pela quantidade de profissionais habilitados, sócio, empregado ou não, que preste serviços em nome da sociedade, assumindo responsabilidade pessoal, nos termos da lei aplicável.
E a lógica dessa exceção é simples: diferenciar a tributação do profissional autônomo, que exerce suas atividades pessoalmente – diverso das sociedades empresariais -, observando o princípio da sua capacidade contributiva e da igualdade, autorizando conferir um tratamento diverso aos desiguais nos limites de sua desigualdade.
Parece tudo simples e claro, não?
Ocorre que, na prática, a conclusão é diferente. Há anos os Municípios colocam as sociedades uniprofissionais em situação de risco, na tentativa de exigir o ISS calculado com base no seu faturamento mensal, alegando possuírem caráter empresarial, cuja atividade seria diferente daquela exercida pelos profissionais liberais autônomos.
Essa prática dos Municípios pode ser identificada na instituição de um “Regime Especial”, onde as sociedades, para serem consideradas uniprofissionais, devem preencher determinados requisitos claramente ilegais estipulados pelas leis municipais, pleiteando o reconhecimento formal dessa qualidade.
Um exemplo dos requisitos que vem deixando as sociedades preocupadas é sua forma de constituição, pois os Municípios entendem que as sociedades constituídas sob a forma de limitada não poderiam ser consideradas uniprofissionais. Tal ponto precisa ser apreciado à luz do Código Civil, de modo que, uma sociedade formada por profissionais liberais autônomos, que exercem pessoalmente suas atividades, respondendo profissionalmente pelos seus atos, são de fato uniprofissionais e, independentemente de terem sido constituídas como uma sociedade limitada não tem como desconfigurar sua natureza.
Como se pode notar, as exigências municipais configuram grave risco às sociedades uniprofissionais, pois, quando materializadas numa autuação fiscal, seus montantes acumulados – valor principal dos últimos cinco anos, acrescido de multa e juros – podem, inclusive, superar os gastos mensais da sociedade inviabilizando a manutenção e o prosseguimento de suas atividades, indispensáveis para sua sobrevivência.
A boa notícia no meio desse caos é que a jurisprudência sempre esteve ao lado das sociedades uniprofissionais, reconhecendo que sua forma de tributação diferenciada é constitucional e legal e, especialmente, que os Municípios não podem exigir o ISS calculado com base no seu faturamento mensal. O ponto de atenção aqui é a necessidade de produção de prova que ateste que os elementos empresariais não estão presentes na sociedade, assegurando-lhe o direito de serem tributadas pela alíquota fixa.
O Supremo Tribunal Federal (STF) inclusive fixou tese em sede de repercussão geral (Tese 918) reconhecendo ser inconstitucional a lei municipal que institua obstáculos para que a sociedade uniprofissional possa efetuar o recolhimento do ISS de modo diverso ao definido pelo Decreto-lei nº 406/68.
Em que pese esse precedente ter sido apreciado no âmbito de uma sociedade de advogados, entendemos que representa forte argumento para as demais sociedades uniprofissionais, pois reforça a tese que defendemos, de que a legislação municipal não possui competência para criar requisitos diversos aos já definidos pelo Decreto-lei nº 406/68.
O Superior Tribunal de Justiça (STJ) julgaria nesse mês de maio a matéria, que acabou sendo retirada de pauta na última semana. Aguardemos mais novidades sobre o tema.
Atualmente, mesmo convivendo num cenário de pandemia, acreditamos que há bons e fortes argumentos para a defesa, havendo esperança de que essa jurisprudência continue ao lado das sociedades uniprofissionais, conferindo-lhe a segurança almejada para que possam continuar exercendo suas atividades sem o risco de serem ilegalmente tributadas.
Por Tatiana Del Giudice Cappa Chiaradia, sócia de Candido Martins Advogados
[email protected]