Quando se está no meio da crise, fica bastante nítida a interdependência que existe entre o produtor e consumidor final. É como assistir a uma fileira de dominós desmoronando: fornecedores não são pagos, a folha de salários passa por um triz, redução de custos, diminuição de salários, queda das vendas. Tudo parece perdido. Mas a humanidade já sobreviveu a mais pandemias e crises econômicas do que podemos contar nos dedos das mãos.
E isso só foi possível porque, de alguma forma, nós fomos capazes de criar valor por meio de algo que se acreditava morto ou sem acesso a crédito. No mercado, esse valor é criado pelos investimentos em distressed assets. Seja NPL (non performing loans – crédito não produtivo), carteiras de crédito podre, companhias em recuperação judicial, ou na iminência de, há diversas formas de criar valor após – ou mesmo durante – uma pandemia que afeta a saúde financeira das empresas.
Pode-se questionar: é uma boa ideia investir em uma empresa à beira da falência? Contrariando o senso geral, é possível afirmar que esta situação pode oferecer grandes oportunidades para investimento. Certamente uma operação envolvendo uma empresa em insolvência apresenta riscos, mas com a devida avaliação, negociações com credores e obtenções de validações jurídicas, pode se apresentar como uma oportunidade inteligente para abrir caminho para novos mercados e clientes.
Encontrar um bom ativo neste contexto requer planejamento e horas de auditoria. Manter um negócio pode ser desafiador até para empresários mais preparados. Enxergar oportunidades em meio à crise pode ser uma saída inteligente, mas requer a compreensão da implicação de uma nova camada de desafios.
O maior benefício é relativo ao custo total da operação. Comprar empresas cujo problema maior é a dificuldade financeira é naturalmente mais barato do que a aquisição de um negócio que caminha normalmente. Além disso, devem ser levadas em conta a existência de uma base de consumidores, de ativos e a vontade dos administradores em repassar o negócio a terceiros.
No contexto das empresas que estão flertando com o pedido de recuperação judicial, vários cuidados precisam ser tomados. A Lei de Falências prevê a possibilidade de revogação de atos praticados com a intenção de prejudicar credores e a ineficácia de determinados atos praticados antes da falência, tal como a venda ou transferência de estabelecimento feita sem o consentimento expresso ou o pagamento de todos os credores, não tendo restado ao devedor bens suficientes para solver o seu passivo. E, ainda, há o termo legal da falência, ou seja, a possibilidade de os efeitos da falência retroagirem até 90 dias antes do pedido de recuperação judicial. Essas e outras preocupações devem ser analisadas com cautela pelo investidor.
Há também, a oportunidade de investir em ativos saudáveis detidos por uma sociedade que já está em recuperação judicial. Para que essa opção se tornasse viável para os investidores, o fantasma da sucessão teve de ser eliminado. Nesse sentido, a Lei 11.105 criou a possibilidade de investimento em unidades produtivas isoladas (UPI), em que são afastadas as sucessões fiscal e trabalhista, de modo que o investidor possa adquirir o ativo em sua forma presente – como se não houvesse passado trabalhista ou fiscal. Ainda assim, recomenda-se que o processo de auditoria não seja descartado.
Na hora de escolher as garantias para a operação, todo cuidado é pouco. Além de avaliar a liquidez e o estado do bem dado em garantia, o investidor deve eleger uma espécie de garantia que o proteja em caso de uma recuperação judicial. Muito embora a lei que rege o processo de recuperação judicial defina uma ordem pré-estabelecida de recebimento de créditos, aqueles protegidos por garantias fiduciárias, como a cessão e a alienação fiduciária, não se sujeitam aos procedimentos concursais. Assim, tais garantias, a princípio, não entram na fila de espera de recebimento no plano de recuperação judicial.
Vale lembrar que nem sempre o mau gerenciamento do negócio é a causa determinante para a quebra da empresa; crises econômicas como a que vivemos podem trazer incertezas, mas também podem trazer novos horizontes quanto à forma de investir. Apostar em investimentos em empresas em insolvência apresenta-se como uma alternativa de criação de valor. O momento é de refinar a percepção e aproveitar as oportunidades que o mercado oferece.
Por Giovanna Paes Cruz, advogada de Candido Martins Advogados
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