Um dos temas que identificamos com maior frequência nos processos de due diligence em operações de M&A (fusões e aquisições), especialmente em setores que utilizam mão de obra intensiva, como o de tecnologia, ou quando se trata de cargos estratégicos de gestão, é o da “pejotização”.
A expressão é aplicada quando (i) um indivíduo é obrigado a prestar serviço ao seu real empregador através de pessoa jurídica; ou (ii) uma pessoa jurídica é contratada para a execução de atividades-meio ou atividades-fim da contratante, ausentes os requisitos do vínculo de emprego (pessoalidade, não eventualidade, subordinação e onerosidade).
Essa segunda situação já foi legitimada pelo Supremo Tribunal Federal (STF), no julgamento conjunto da Ação por Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 324 e do Recurso Especial 958.252 (Tema 725), no qual se discutiu a licitude da terceirização de atividades precípuas da empresa tomadora de serviços, tendo sido fixada a seguinte tese em sede de repercussão geral: “É lícita a terceirização ou qualquer outra forma de divisão do trabalho entre pessoas jurídicas distintas, independentemente do objeto social das empresas envolvidas, mantida a responsabilidade subsidiária da empresa contratante”.
Com base nesse julgamento, o STF tem proferido diversas decisões reconhecendo a legalidade da contratação de prestadores de serviços através de pessoas jurídicas. É o caso, por exemplo, da Reclamação 65.868, em que o ministro Dias Toffoli reformou uma decisão do Tribunal Regional do Trabalho da 15ª Região (TRT-15) para afastar o vínculo empregatício entre diretor contratado por intermédio de pessoa jurídica e a empresa contratante. Já na Reclamação 64.608, o ministro Alexandre de Morais validou a contratação de prestadores de serviço por meio de pessoa jurídica em uma empresa do setor financeiro e anulou uma autuação aplicada pela Receita Federal.
Especificamente em relação aos serviços de natureza científica, artística ou cultural, o artigo 129 da Lei 11.196/2005 autorizou a sua prestação por pessoas jurídicas, em caráter personalíssimo ou não, para fins fiscais e previdenciários. Já a Reforma Trabalhista, instituída por meio da Lei nº 13.467/2017, que alterou a Consolidação das Leis do Trabalho, em seu artigo 444, parágrafo único, reconheceu a figura do empregado hipersuficente, assim considerado o “portador de diploma de nível superior e que perceba salário mensal igual ou superior a duas vezes o limite máximo dos benefícios do INSS”, permitindo a relativização dos direitos trabalhistas na livre negociação entre as partes quando da celebração do contrato de trabalho.
Enquanto na esfera trabalhista eventual irregularidade gera o reconhecimento do vínculo de emprego e o pagamento das verbas correlatas, na seara tributária, a desconsideração da relação de prestação de serviço leva à lavratura de auto de infração para a cobrança dos valores não recolhidos a título de contribuições previdenciárias e, a depender das circunstâncias, a glosa de créditos de PIS/Cofins eventualmente apropriados no regime não cumulativo.
Ao analisarmos o entendimento do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf), última instância do contencioso administrativo tributário federal, sobre a matéria, verifica-se que não há consenso sobre o tema. Nos últimos cinco anos, por exemplo, foram proferidas quinze decisões – sete favoráveis aos interesses dos contribuintes.
Esse cenário de equilíbrio nas decisões do Carf mostra que, a despeito do entendimento consolidado do STF sobre a matéria, visto acima, o tema ainda é bastante controvertido na esfera tributária.
Nesse contexto, a (i) independência de agendas e horários, (ii) ausência de cobrança de metas e (iii) independência organizacional são as principais características da relação de prestação de serviço analisadas pelo Carf nos casos envolvendo “pejotização”, demonstrando uma tendência de que a exigência tributária somente será admissível quando houver efetiva comprovação de que há uma relação de emprego entre o contratante do serviço e os sócios que constituíram a pessoa jurídica contratada.
Fica claro, portanto, que o tema ainda precisa ser mais bem debatido no âmbito tributário para trazer maior segurança jurídica às formas de contratação que não envolvam somente o vínculo de emprego.