Discussões societárias lideram as matérias submetidas à arbitragem no Brasil1. Negligenciar a redação da cláusula compromissória – aquela que estabelece a arbitragem como o método de resolução de conflitos de determinado contrato – pode gerar dores de cabeça desnecessárias. Melhor evitá-las.
Não é raro vermos disputas societárias transbordarem a relação acionistas versus companhia, abrangendo pessoas que não participaram da efetiva celebração da cláusula arbitral. É o caso, por exemplo, de administradores (diretores e membros do conselho de administração) e conselheiros fiscais.
Afinal, é possível vincular administradores à arbitragem negociada pelos acionistas? É possível estender a arbitragem a terceiros? Aqui vão nossos dois centavos nessa discussão – tão antiga e longa.
A Lei de Arbitragem enfatiza o consentimento como base fundamental. Sem consentimento, não há arbitragem.
A cláusula compromissória deve ser escrita, seja no próprio contrato ou estatuto social, seja em documento separado. Nos contratos de adesão, ela só é válida se o aderente concordar expressamente – com uma assinatura ou visto específico para essa cláusula.
Quando a cláusula está em um contrato ou estatuto social, a redação precisa ser clara e precisa. É fundamental (a) identificar quem os contratantes querem abranger e (b) obter o consentimento específico dessas pessoas destinatárias da cláusula.
Se houver dúvidas sobre o consentimento, haverá problemas com o próprio procedimento arbitral.
Uma maneira de se evitar esses questionamentos sobre o efetivo alcance da cláusula arbitral é seguir as diretrizes do Regulamento do Novo Mercado: a cláusula deve mencionar claramente “administradores”, tanto titulares quanto suplentes. Além disso, a posse desses administradores deve estar condicionada à assinatura de um termo de posse que confirme sua sujeição à cláusula compromissória.
Dessa forma, todos ficam na mesma página: administradores sabem que estão alcançados pela arbitragem e dão seu consentimento expresso, o que reduz as chances de questionamentos.
Por outro lado, cláusulas genéricas como “os sócios/acionistas se comprometem a resolver disputas por arbitragem”, sem termos de posse específicos, não garantem o consentimento necessário. Administradores podem se considerar não vinculados, já que sequer são mencionados.
Aqui, vale a regra prevista no Código Civil: renúncias de direito devem ser interpretadas estritamente. Escolher a arbitragem é renunciar à justiça estatal. Essa escolha, portanto, deve ser efetiva e consentida – e não simplesmente presumida.
Essas precauções não são formalismos vazios. São fundamentais. Cláusulas mal redigidas e consentimentos falhos podem ter grandes repercussões práticas. Podem gerar questionamentos, prolongar litígios, travar soluções e até causar a anulação de todo o procedimento arbitral, trazendo incerteza e insegurança para todos.
Cautela na redação da cláusula arbitral segue a mesma lógica do ditado popular que prescreve canja de galinha: não faz mal a ninguém.
Arthur de Paula Lopes Almeida integra a equipe de Arbitragem e Disputas Societárias do Candido Martins Advogados.
- LEMES, Selma (Coord.). Arbitragem em Números: Pesquisa 2021 /2022. Canal Arbitragem. São Paulo, 2023. ↩︎