Promulgada há poucos meses, a Lei nº 14.879 alterou o artigo 63 do Código de Processo Civil, modificando a já bem estabelecida regra relativa à cláusula de eleição de foro. Antes da alteração legislativa, ressalvadas algumas exceções, as partes de um contrato poderiam convencionar livremente o foro responsável para julgar as ações oriundas do contrato celebrado.
Ou seja, ainda que uma das partes estivesse sediada em Recife, outra em Salvador e o contrato fosse executado em Manaus, o foro escolhido para solução de controvérsias poderia ser o de São Paulo.
Com a Lei nº 14.879, a eleição de foro deve se restringir ao domicílio das partes ou ao local das obrigações contratuais. Eleger foro diverso pode ser considerado como prática abusiva pelo juízo que recepcionar litígio oriundo de contrato, determinando a remessa dos autos ao foro de domicílio do réu.
A alteração legislativa vai na contramão de uma prática amplamente adotada pelo mercado e, até então, bem pacificada no direito brasileiro – inclusive pelo STF, por meio da Súmula 335. A eleição de foro é um mecanismo importante para redução dos custos de transação, permitindo que partes escolham o juízo que entendam mais eficiente, neutro e/ou especializado, em qualquer localidade do país, proporcionando segurança jurídica.
A nova lei não se preocupou em abordar a regra aplicável aos contratos celebrados antes de 4 de junho deste ano (data de promulgação da lei), podendo suscitar dúvidas. No entanto, de acordo a regra de não retroatividade da lei civil, os contratos anteriores à Lei nº 14.879 estão (ou, pelo menos, deveriam estar) resguardados contra a alteração da regra de eleição de foro.
Outra problemática esbarra no artigo 25 do CPC que menciona expressamente a cláusula de eleição de foro (de que trata o artigo 63, modificado pela nova lei) nos contratos internacionais, caso em que pode ser afastado a competência do judiciário brasileiro. Por mencionar expressamente a cláusula de eleição de foro, em uma interpretação precipitada (ou literal) dos artigos 25 e 63 do CPC, poderia se argumentar o afastamento da cláusula de eleição de foro estrangeiro nos contratos internacionais – o que, definitivamente, não parece o entendimento adequado.
Realizada sob o argumento de congestionamento de determinados foros da justiça, a mudança legislativa ricocheteia em quem precisa bater à porta do Judiciário. O preço da alegada ineficiência, que está traduzida na alteração trazida pela Lei nº 14.879, é, em grande medida, repassada ao privado, que, por sua vez, tem a sua autonomia contratual restringida e pode incorrer em maiores custos transacionais para buscar soluções a problemas que aparentemente não existiam.
Se os foros do local de execução do contrato ou de seus domicílios forem desinteressantes, as partes podem recorrer ao compromisso arbitral – o que, naturalmente, pode ensejar maiores custos. Em outras palavras, na suspeita de morosidade, imparcialidade e/ou falta de especialidade dos foros possíveis de eleição, a arbitragem pode ser a única opção. Ponto para a arbitragem.
Por Gustavo Chamadoiro, associado do Candido Martins Advogados.