Um olhar sustentável para os novos caminhos do mercado de dívida no Brasil
O financiamento de projetos sempre foi e continua sendo um tema central na vida empresarial. A obtenção de uma linha de crédito com boa taxa de remuneração e condições favoráveis de pagamento é, muitas vezes, o fator determinante para o sucesso de uma empresa ou uma ideia.
Historicamente, os financiamentos das empresas no Brasil concentravam-se em bancos públicos e grandes instituições financeiras privadas. Boas linhas de crédito eram concedidas para aqueles que conseguiam vincular seus projetos a fontes pagadoras conhecidas e respeitadas no mercado. Era comum que aqueles inseridos na cadeia de produção de grandes empresas pleiteassem condições de financiamento mais favoráveis que o padrão de mercado por terem seu fluxo de caixa atrelado ao pagamento de empresas como Petrobrás e Vale, cujo baixo risco de crédito era conhecido no mercado, se sobressaindo diante de outras empresas que não tinham esta possibilidade e eram avaliadas com um maior risco de crédito.
Com o amadurecimento do mercado de capitais brasileiro, principalmente na última década, a atenção e o dinheiro dos investidores passaram a ser atraídos por títulos que concedessem benefícios fiscais aos seus titulares, como Certificados de Recebíveis do Agronegócio (CRA), Certificados de Recebíveis Imobiliários (CRI) e debêntures incentivadas. Os benefícios fiscais atrelados a esses títulos influenciaram a balança de risco/retorno/liquidez, fazendo com que empresas de diversos setores buscassem alternativas para poder se enquadrar nas condições de emissão desses títulos. Entretanto, tais condições, e os custos envolvidos na emissão eram – e ainda são – uma barreira de acesso significativa.
Agora, um novo fator começa a revolucionar o perfil de financiamento no Brasil e no mundo, apresentando uma nova trilha mais acessível e sustentável, que considerada fatores ambientais, sociais e de governança corporativa para a obtenção do financiamento, além dos fatores clássicos como risco, retorno e liquidez.
Tem se tornado comum os bancos de fomento nacionais, como o BNDES e o Banco do Nordeste, além de órgãos multilaterais como o Banco Mundial, exigirem a adoção de determinadas práticas relacionadas aspectos ambientais, sociais e de governança em suas operações de investimento e financiamento.
Tais aspectos também têm sido incorporados pelas grandes instituições financeiras nas suas análises de crédito e tendem a se tornar cada vez mais presente na rotina mercado financeiro brasileiro, aumentando a importância de as empresas saberem se adequar e negociar questões relacionadas a tais temas.
Dos caminhos que a nova trilha oferece, o ambiental tem tido um especial destaque no Brasil e se mostrado uma oportunidade crescente para a obtenção de financiamento favorável.
O Banco Central está criando regras de análise de risco de crédito climático para orientar os agentes financeiros a identificar, fiscalizar e reportar com transparência a análise do impacto das emissões que financiam. Isto tem feito que com que instituições de renome passem a recusar crédito para clientes e setores que antes gozavam de grande prestígio.
O Santander, por exemplo, declarou que recusou concessão de crédito para 106 empresas em 2020, em setores críticos como agronegócio e mineração, por divergências em relação a questões ambientais. O BTG, por sua vez, declarou que que cerca de 5% do total de operações que chegam ao banco são negadas por não atenderem às questões ambientais, sociais e de governança exigidas pelo banco, enquanto o Itaú diz que 100% de sua carteira de grandes empresas já passa por análise de risco socioambiental e 50 empresas foram bloqueadas de sua carteira de crédito em 2020 por envolvimento em atividades que fazem parte de sua lista de exclusão.
A mudança do perfil de crédito pretendido pelos bancos de fomento e principais instituições financeiras no país aumenta a disponibilidade de crédito para um perfil de empresas com olhar para a sustentabilidade.
O investidor privado também tem procurado por investimentos que possuam tais características. Os chamados títulos verdes, negociados nos mercados de capitais com a finalidade de atrair capital para projetos que tenham como propósito um impacto socioambiental positivo, têm ganhado espaço nas emissões brasileiras. Segundo dados da B3, no encerramento de 2020, havia 20 instrumentos identificados como títulos verdes em seus sistemas (14 debêntures e 6 CRAs), totalizando um valor de emissão de R$ 6 bilhões.
Em 2021, o Decreto No. 10.828 regulamentou a emissão de Cédula de Produto Rural, relacionada às atividades de conservação e recuperação de florestas nativas e de seus biomas. Em fevereiro deste ano, a bolsa de valores brasileira, a B3, recebeu o registro da primeira Cédula de Produto Rural (CPR) Verde.
Uma alternativa para aqueles que não conseguem apresentar projetos capazes de gerar um impacto ambiental positivo e, portanto, emitir títulos verdes, é financiar o próprio desempenho em sustentabilidade mediante a emissão de títulos SLB (Sustainability Linked Bond), que são instrumentos de dívida que tem como objetivo final fazer com que o emissor alcance determinadas metas sustentabilidade, definidas a partir de indicadores-chave de desempenho.
O emissor poderia, por exemplo, comprometer-se a consumir 100% de energia elétrica renovável na sua operação até o término de um determinado prazo. Caso o emissor não cumpra as metas, o título poderia ficar mais caro e aumentar a remuneração do credor.
Tais emissões são especialmente atrativas pois não precisam delimitar o destino dos recursos para algum projeto específico, uma nova paisagem surpreendente apresentada pela nova trilha, que já tem sido explorada por empresas como a B3, Suzano, Klabin, Natura, dentre outras.
Vê-se que a emissão de dívidas com taxas mais atrativas atreladas à sustentabilidade é uma agenda cada vez mais presente nas empresas, não apenas por uma demanda dos consumidores e investidores (principalmente fundos de private equity), como também pelo mercado de dívida.