Temos sido questionados por alguns clientes a respeito do impacto da pandemia do Coronavírus (Covid-19) nos contratos comerciais por eles celebrados, tendo em vista que muitos serão inadimplidos em razão da impossibilidade de cumprimento das obrigações ali pactuadas, principalmente em razão das medidas de prevenção adotas pelo governo, como quarentena obrigatória, fechamento de estabelecimentos comerciais, restrições à circulação de pessoas, falta de liquidez e dificuldades financeiras. A questão tem três grandes vertentes a serem analisadas: o caso fortuito/força maior, o efeito material adverso e a onerosidade excessiva do contrato.
Com relação ao “caso fortuito/força maior”, vale dizer que esse instituto somente é aplicável se os efeitos forem imprevisíveis e inevitáveis. Nos parece que a Covid-19 se enquadra em tal critério (caso os contratos tenham sido firmados antes da pandemia). Sendo assim, caso haja previsão contratual de isenção de responsabilidade, o devedor não responderá pelos prejuízos resultantes de caso fortuito ou força maior. Mas, e caso não haja previsão contratual? Nesta hipótese, o devedor não responderá pela impossibilidade da prestação caso prove isenção de culpa ou que o dano aconteceria ainda que a obrigação fosse tempestivamente desempenhada. Vale dizer que, se o impedimento, embora concreto, for apenas temporário, o cumprimento da obrigação deverá, a princípio, ser suspenso, exceto se o atraso dele resultante justificar a rescisão contratual.
Com relação à segunda vertente, apesar de não haver previsão legal, muitos contratos no Brasil contêm cláusula de efeito material adverso (Material Adverse Change Clause, ou MAC Clause – importadas de países como Estados Unidos e Inglaterra – para permitir que uma parte “pule fora” do negócio na ocorrência de algumas das hipóteses que causem um efeito adverso significativo na outra parte, como dificuldades financeiras, crises políticas e econômicas, entre outras. A MAC Clause, portanto, varia de contrato a contrato e tem por escopo descrever aqueles eventos que possam provocar um impacto adverso nas atividades da parte, de forma a afetar a sua capacidade de cumprir suas obrigações no contrato. Dificilmente uma MAC Clause elaborada antes dos tempos que temos vivido irá prever uma pandemia nas proporções da Covid-19, porém, muitas poderão abarcar efeitos que a Covid-19 está trazendo para todos.
Assim, caso ocorra algum dos eventos ou circunstâncias descritos na cláusula negociada entre as partes, a parte prejudicada terá o direito de denunciar o contrato. Para a outra parte, é possível tentar negociar prazos e outros ajustes no contrato de forma a contornar os efeitos da MAC Clause.
Agora, ainda que o contrato não tenha nenhum dos institutos acima, é possível analisar a Covid-19 por uma terceira vertente: a hipótese em que a execução de determinado contrato se tornaria excessivamente onerosa para uma das partes, gerando um desequilíbrio contratual.
O nosso Código Civil estabelece que, nos contratos de execução continuada ou diferida, se a prestação de uma das partes se tornar excessivamente onerosa, com extrema vantagem para a outra, em virtude de acontecimentos extraordinários e imprevisíveis, o devedor poderá pedir a resolução do contrato, que pode ser evitada mediante uma modificação equitativa das condições do acordo, a fim de evitar a onerosidade excessiva.
Para identificar se determinada empresa pode ou não se valer da excludente de responsabilidade com base nos institutos acima, há de se avaliar, caso a caso, as disposições contratuais, tais como condições gerais do negócio; se existem cláusulas de isenção de responsabilidade por caso fortuito/força maior, “cláusulas de efeito material adverso”, e, se existirem, como estão definidos; e, se na ausência de disposição contratual, as partes podem, de fato, se valer das consequências da Covid-19.
Porém, diante da circunstância excepcional e notória da pandemia do coronavírus, recomendamos que as partes busquem sempre formas amigáveis para a resolução dos conflitos decorrentes da situação, visando a redução de prejuízos a todos os envolvidos, principalmente por meio da renegociação dos contratos existentes.
Por Marcella Bertolini, advogada do Candido Martins Advogados
[email protected]