Após a introdução da Lei da SAF (Lei nº 14.193, de 6 de agosto de 2021) no sistema jurídico brasileiro, criando caminhos novos para a realização de investimentos no mundo do futebol, diversos questionamentos surgiram sobre a visão da Comissão de Valores Mobiliários (CVM) a respeito do texto legal e a sua aplicação prática.
Parte dessas questões foram endereçadas com a publicação, em 21 de agosto deste ano, do Parecer de Orientação CVM nº 41, trazendo maior clareza aos potenciais players na área sobre a acessibilidade ao mercado de capitais e às normas de adequação a serem seguidas.
Dentre os temas que foram trazidos à luz pelo órgão regulador estão: (a) o capital social da SAF; (b) as ações emitidas pela SAF; (c) governança; (d) acesso ao mercado de capitais; (e) publicações e transparência; (f) comunicados ao mercado e fatos relevantes; (g) alcance da regulação CVM; e (h) o Programa de Desenvolvimento Educacional e Social – PDE.
Em relação ao primeiro tema, a CVM esclareceu que a formação do capital social da SAF deve obedecer às normas da Lei das S.A. (Lei nº 6.404, de 15 de dezembro de 1976), principalmente no que tange à avaliação de ativos a serem integralizados pelos investidores. Essa avaliação deverá ser realizada por três peritos ou empresa especializada, de preferência por auditor registrado na CVM, e obedecendo às regras contábeis aplicáveis.
A Lei da SAF, em relação à emissão de ações, trouxe em seu conjunto de regras uma verdadeira exceção à Lei das S.A., possibilitando a emissão de classes diferentes de ações ordinárias pelos subscritores, o que é vedado pela Lei das S.A. É o posicionamento da CVM, que entende que as SAFs que se registrarem na CVM como companhias abertas deverão contar com a Classe A de ações ordinárias para a subscrição exclusiva pelo clube ou pessoa jurídica original e, caso deseje, poderá criar outras classes de ações ordinárias para a subscrição de qualquer potencial subscritor.
Ao tratar sobre a governança das SAFs, a CVM orienta que se institua sistemas internos de acompanhamento dos seus acionistas, para que seja afastada, assim, a possibilidade de um acionista controlador deter participação, direta ou indireta, em outra SAF, o que é vedado pela lei. O órgão ainda pontua que as SAFs organizadas como companhias abertas devem observar: (i) a vedação de acumulação de cargos de presidente do Conselho de Administração e de diretor presidente, ressalvada a exceção para companhias de menor porte; e (ii) a obrigatoriedade de participação no Conselho de Administração de membros independentes.
Na hipótese da realização de uma oferta pública inicial de ações, a CVM estabelece que as SAFs estarão sujeitas às mesmas normas das companhias abertas em geral (Resolução CVM 80 e Resolução CVM 160). Da mesma forma, no caso da emissão de debêntures FUT, tipo exclusivo de debêntures das SAFs, essas deverão observar, além da Lei da SAF, as disposições previstas na Lei das S.A. e o arcabouço jurídico que a autarquia possui para regulação geral de debêntures.
A Orientação 41 também traz a visão do órgão sobre o Crowfunding de Investimento, os fundos de investimento, a securitização, a divulgação de informações no contexto das ofertas e a suitability, devendo os interessados olharem no detalhe o posicionamento da CVM.
Quanto à publicidade, a CVM foi categórica: é obrigação das SAFs de capital aberto (i) prestar informações do Formulário de Referência, atualizando os dados por ocasião da sua entrega anual e sempre que a companhia for comunicada sobre mudanças; e (ii) promover, de acordo com as normas vigentes, comunicado ao mercado ou aviso de fato relevante, conforme o caso, a respeito dos temas que surgirem sobre a matéria em tela. Esses temas são tratados de forma detalhada na Orientação 41.
Orientações sobre o alcance das normas regulatórias da CVM para as SAFs também foram estabelecidas, não cabendo a aplicação dessas para modalidades de emissão de ativos que não são considerados valores mobiliários. São elas os Fan Tokens e as apostas esportivas, mas novas modalidades devem surgir no futuro.
Por fim, em relação ao convênio obrigatório que as SAFs devem celebrar com instituições públicas de ensino (o Programa de Desenvolvimento Educacional e Social – PDE), a CVM recomenda que haja a divulgação tempestiva, por meio de comunicado ao mercado ou aviso de fato relevante, conforme o caso, dos convênios celebrados, indicando a entidade beneficiária, os motivos da escolha, prazos e volumes de recursos que serão destinados a entidade.
Se recomenda, ainda, que as SAFs estipulem internamente montantes máximos anuais a serem empregados no âmbito do convênio e reportem esses por meio do formulário de referência e relatório de administração, possibilitando o acompanhamento do uso dos recursos pelo mercado.
Apesar dessa primeira manifestação da CVM trazer diversos esclarecimentos, pontos de atenção aos investidores e orientações aos demais players no mercado de SAFs, o órgão admite o potencial da Lei da SAF para criar um conjunto de novas demandas e ofertas de produtos ainda não imaginadas ou exploradas até o momento pelo mercado de capitais brasileiro. E que, por essa razão, cabe à autarquia continuar estudando a experiência no país e no mundo para que novas orientações sejam emitidas ou até novas regulações sejam propostas.