A tributação de operações envolvendo software desperta controvérsias há mais de uma década e 2023 tem sido um ano de novidades relevantes sobre o tema. No primeiro semestre, a Receita Federal do Brasil (RFB) emitiu algumas respostas a consultas, que vinculam toda a sua atividade de fiscalização e que na prática podem significar um aumento de carga fiscal, encarecendo as transações envolvendo software realizadas por empresas brasileiras.
O pano de fundo para os ajustes feitos pela RFB foi o julgamento, pelo Supremo Tribunal Federal (STF), do Tema 590 (ADIs nº 5.659 e nº 1.945). Em resumo, o STF examinou a tributação indireta da licença de uso de programas de computador, prevalecendo o entendimento de que, nesse tipo de operação, deve incidir apenas o Imposto sobre Serviços (ISS) e não o Imposto sobre Circulação de Mercadorias (ICMS), por possuir natureza de serviço (e não de venda de mercadorias).
Trataremos de dois pontos principais que foram endereçados pela RFB em suas novas orientações vinculantes, com potencial de grande impacto para o contribuinte.
O primeiro ponto, relativo à tributação corporativa das empresas que transacionam software, foi o enquadramento das operações de licença de uso de software como prestação de serviço para fins do Lucro Presumido (regime de apuração do IRPJ/CSLL que considera apenas as receitas auferidas e envolve a aplicação de margens fixas para se chegar à base de cálculo dos tributos). Na Solução de Consulta COSIT nº 36 (de 15 de fevereiro de 2023), a RFB definiu que o licenciamento de software seria uma receita de serviços, sujeita à margem presumida de 32% (e não às margens gerais de 8% e 12%, muito menores, que eram usualmente adotadas pelo mercado). Ou seja, da noite para o dia, a carga efetiva de IRPJ/CSLL passou de 3,08% para 10,88% para as empresas nessa situação (ou seja, quase 8% de aumento!).
O segundo ponto da “reforma” promovida pela Receita Federal se relacionou à tributação incidente sobre os pagamentos feitos por empresas brasileiras na contratação de licenças de uso de software de parte estrangeira (“Importação” de software). A grande inovação da Solução de Consulta COSIT nº 107 (de 6 de junho de 2023) foi referente ao PIS/COFINS-Importação.
Isso porque se de um lado a RFB definiu que, para fins do IRRF e da CIDE, a remessa ao exterior para pagar o direito de usar um software teria natureza de “royalties“ (não alterando a posição já existente no passado), para o PIS/COFINS-Importação a posição que prevaleceu foi a de que seria uma remuneração por serviços, de modo que haveria incidência de tais contribuições à alíquota combinada de 9,25% sobre o software importado. Ou seja, também de um dia para o outro, há um virtual aumento de carga fiscal de 9,25% sobre o custo da licença de software “importada” por empresas brasileiras.
Essas medidas têm efeito imediato (desde a publicação das Soluções de Consultas no Diário Oficial) e, como já antecipado, resultam em aumento de carga fiscal, além do risco de autuação para os contribuintes brasileiros que transacionam software e que adotam procedimentos diferentes dos veiculados pelas autoridades fiscais.
Em um momento em que estamos discutindo exatamente a reforma tributária do consumo e da renda, vê-se que, no fim do dia, muitos dos esforços do Governo estão em obter novas (e criativas) fontes de arrecadação. O efeito desse movimento certamente trará mais litígios e questionamentos perante as autoridades fiscais.
Aguardemos as cenas dos próximos capítulos sobre o tema. Mas uma coisa é certa: os efeitos da decisão do STF sobre tributação de software não devem parar por aí e novos ajustes devem ser vistos no futuro próximo, cabendo aos contribuintes acompanharem de perto essa evolução e questionar as medidas prejudiciais perpetradas pela Administração Pública.